Entusiasmo – Feito a mão e subindo a costa do Brasil

“Construir o próprio barco, navegar 1.300 milhas náuticas até aqui, desde Itajaí e conseguir conciliar a minha pausa profissional para me tornar um navegador e ter mais experiência no mar. Motivações e desafios que nutriam meu dia a dia de trabalho na oficina.”

16/10/2024

“Breve relato até aqui.

Já se passaram 6 meses desde minha partida de Itajaí, SC no dia 10 de Abril.

Minha primeira parada foi a Baia de Paranaguá, um lugar gigantesco com muitos bancos de areia e fortes correntes. Dali segui rumo a Cananéia, SP, atravessando pelo famoso Canal do Varadouro. Natureza exuberante e paisagens que nunca tinha presenciado.

Em Cananéia só tive tempo de atracar para abastecer e preparar o barco para seguir rumo a Santos, SP. Depois de uma saída tensa da barra de Cananéia, pegamos uma frente que nos levou até nosso destino. Foi uma das maiores pernas do Entusiasmo até hoje, 120 milhas náuticas e 24 horas navegando.

Santos era uma meta a alcançar, uma vitória! Ali permaneci durante 4 meses, onde os preenchi trabalhando na manutenção de veleiros com um grande amigo, André Ubinha, além de gastar muitas horas nos ajustes que o Entusiasmo precisava para seguir viagem. Fiz bons amigos e velejei em diferentes barcos. Experiência única na Baixada Santista.

Quando em Santos, fiz um bate e volta para Ilhabela, Sp, para prestigiar a semana de vela. Após esse retorno, o Entusiasmo foi a terra para manutenção, barco intacto estruturalmente. Foram feitos apenas alguns reparos e ajustes.

O Entusiasmo voltou ao seu habitat e logo tive uma boa janela para recomeçar a subida da costa.

Retornei a Ilhabela e ao completar uma volta a ilha, contabilizei 1.000 milhas náuticas com o Entusiasmo. Sensação de realização inesquecível. Atingir essa marca representou muito pra mim, muito trabalho desde a construção até agora, barco está sólido e navegando muito bem!

Depois da Ilha, o rumo foi para Ubatuba, SP, onde participei do mini circuito de vela, para veleiros de até 28 pés. Sempre bacana participar de regatas, foi irado, fiz bons amigos da vela por cá e fui muito bem recebido pelo Iate Clube de Ubatuba, onde fiquei atracado por 10 dias.

Dali o destino não poderia ser outro, a Baia de Ilha Grande! Com parada na região do Saco do Mamanguá, lugar com uma energia tremenda. Nunca esquecerei quando visualizava sua entrada ao chegar desde a Ilha das Couves, passagem essa muito dura! Mas chegar para pernoitar a primeira noite na Ilha da Cotia foi surreal, lugar muito protegido dos ventos e ondas.

Permaneci na região do Saco do Mamanguá e Ilha Grande por 33 dias, e sem dúvida é uma região cheia de ancoradouros e praias para conhecer. Mas a motivação agora é seguir viagem, próxima parada, Rio de Janeiro!

Depois de ver a previsão do tempo e identificar uma boa janela para travessia, abasteci o barco e estava tudo pronto para levantar âncora. Desde a Ilha da Cotia até a Praia de Palmas, Ilha Grande, e dali sair na madrugada para as 100 nm que tinha pela frente.

Ambas as pernas (35nm e 65nm) fluíram bem, consegui velejar boa parte do trajeto.

Com 3/4 da viagem, consegui avistar a Ilha Redonda, sabia que ali ao lado estava minha passagem, entre as Ilhas Cagarras e o continente.

Chegar no Rio pela “Porta da Frente” foi algo sensacional, mesmo com o tempo nublado e forte correnteza de vazante, que dificultaram. Mas nada atraia mais minha atenção do que o relevo. O Pão de Açúcar, Copacabana, Dois Irmãos… Com um mix de cansaço (14 horas navegadas) e realização, atraquei na piscina do Iate Clube do Rio de Janeiro, na Urca.

Depois de pernoitar no clube, lavei o barco, abasteci e fui para poita na Praia da Urca, juntos aos amigos Fábio e Paulo pai e filho que aqui residem em seus barcos Sinergia e Kia Kaha II.

A chegada ao Rio teve grande importância em minha empreitada. Entusiasmo bateu 1.300 milhas náuticas navegadas. Segue sólido e sem quebras. Além disso, chegar “bem” aqui era uma grande incógnita que eu tinha, mas que agora se tornou realidade. Estamos bem e prontos para seguir viagem!

Depois de quase dois meses nas águas da Baia de Guanabara, era hora de seguir viagem.

Na primeira hora da madrugada do dia 10 de dezembro de 2024 soltei as amarras que me mantinham na Urca por esse tempo. Aproveitei a vazante e iniciei minha subida com pouco vento e mar. Pela frente tinha aproximadamente 80 milhas náuticas, e no caminho, Cabo Frio, uma quina da costa do Brasil.

A navegação foi tranquila e o vento previsto não entrou, o vento que encarei foi um N/NE onde consegui uma orça apertada numa velocidade média de 5 nós. Chegando nas proximidades da Ilha de Cabo Frio, o vento apertou e o mar subiu do quadrante L. Mantive o plano de passar por fora da Ilha, e não pelo boqueirão (depois me arrependi). A duas milhas da Ilha rizei a mestra para o primeiro rizo, mantive o motor e segui o rumo. Com a Ilha já no meu través, as condições pioraram, mar desencontrado e vento forte contra me exigiram dar três bordos para vencer a face exposta da Ilha. Esta passagem foi um verdadeiro teste para o Entusiasmo, pois ele venceu uma condição dura de contravento, situação que ele ainda não havia encarado.

Depois de contornar o cabo, subi no motor até a subsede do Iate Clube do Rio de Janeiro (ICRJ) em Cabo Frio, onde fui muito bem recebido e pernoitei para descansar e preparar para seguir viagem até Vitória, ES.

Com tudo pronto, zarpei do píer da subsede do ICRJ na primeira luz do dia 12 de Dezembro com rumo à Vitória.

A previsão marcava ventos favoráveis para travessia, mas novamente, ela não se confirmou. Sai da barra de Cabo Frio com ondas grandes na proa, mas com ganho de distância elas deram uma acalmada. Era o início da perna mais longa que já havia encarado sozinho com o Entusiasmo.

No início, rumei mais para fora, para ganhar ângulo e vencer o Cabo de São Tomé. Motores até as 10am e dali em diante o vento soprou do quadrante L/NE e consegui boa velocidade na vela. Essa boa condição durou até o outro dia ao amanhecer.

Na manhã seguinte o vento parou, Fabinho me passou a previsão de um vento Leste, mas que também não confirmou. O dia foi passando, e nada do vento entrar. Rumei direto para vitória para encontrar o trajeto, mas mesmo assim, tive que parar em Guarapari, pois não haveria gasolina suficiente para chegar em Vitória.

Ancorei em Guarapari as 19h do dia 13, estava exausto, com dor de cabeça e esgotado, fiquei por ali até terça feira (17). Descansado e com o barco abastecido, segui viagem. Eram 30 milhas até Vitória. Navegação inicialmente no motor, mas logo o vento SW entrou.

Ao avistar Vila Velha, mantive o motor sailing para chegar logo, pois junto com o vento, veio uma tempestade com chuva e raios. Mas neste momento eu já adentrava no canal de Vitória, com rumo ao Saco da Jurema.

Um fato complicado desta travessia foi que na chegada, peguei uma rede boiada bem no meio do canal e sem sinalização alguma. Logo que engatei vi uma pequena embarcação vindo em minha direção. Era o dono da rede, ele me ajudou na tentativa de soltar o Entusiasmo, mas depois de uns 30 minutos de muito esforço, tivemos que cortar a rede. Chegada tensa, mas deu tudo certo, logo ancorei, me alimentei e fui descansar. Feliz por chegar ao estado do Espírito Santo!

Na madrugada do dia 11 de Janeiro de 202, as 3:30 da manhã, zarpamos do ICES com rumo a Santo André, Bahia.

Foram 3 semanas em Vitória, local onde fiz grandes amigos da vela. Ali vive uma comunidade muito receptiva, base perfeita para preparação para seguir viagem!

A grande diferença dessa travessia, era que eu tinha agora um tripulante, o Douglas. Amigo que ajudou na construção do barco, e agora iria encarar uma grande travessia. Tínhamos a frente aproximadamente 290 milhas náuticas.

O barco estava velejando muito! Foram aproximadamente 100 milhas com velas a bombordo.

Passamos a apenas 5 milhas do Arquipélago de Abrolhos, e o vento seguia em boa direção e ótima intensidade. Dali em diante eram mais 100 milhas até Santo André.

Na manhã de segunda, pegamos uma Cavala Branca de aproximadamente 10kg, no corrico, com linha de mão, QUE SENSAÇÃO! Um presente dos Deuses do mar em águas Baianas.

Tivemos bons ventos até a chegada da barra do Rio João de Tiba, onde segui o rastro de uma escuna e ancorei logo na entrada, junto a alguns veleiros.

Foram dois dias e meio de navegação e 294 milhas navegadas, a maior travessia já feita por mim e o Entusiasmo. Eu e meu tripula Douglas, chegamos cansados, mas bem. O povoado de Santo André é bem pacato, com alguns sinais de turismo, mas com uma essência simples e autêntica, uma boa prova do que a Bahia oferece.

Depois de três dias de descanso, levantamos âncora no dia 17 de janeiro de 2025. Como destino, tínhamos a Baia de Camamu, onde fica localizada a Península de Maraú, destino ao qual tinha como objeto de viagem.

Fizemos uma navegação mais costeira que as anteriores, para evitar a corrente contrária que corre em águas mais profundas. As 170 milhas náuticas que teinhamos pela frente, foram marcadas por ventos fracos a moderados vindo do quadrante SE.

No final do primeiro dia de navegação passamos por um imprevisto. Com o balão em cima e ventos de 11 a 13 nós, navegávamos tranquilos quando a caixa de leme estourou, por falta de reaperto os parafusos folgaram e com o trabalho de tantas milhas, ela se rompeu. Baixamos as velas, baixei o leme de barlavento e seguimos rumo com certa dificuldade.

Na manhã seguinte, fisgamos mais um belo exemplar de cavala, com uns 4kg, foi nossa refeição por 2 dias. Nessa manhã partimos para manutenção de um vazamento, que o Douglas assumiu, e eu parti para o conserto da caixa de leme, que estava fazendo falta. Foi um grande desafio, mas depois de tudo consertado, a sensação foi prazerosa!

Perto do meio dia avistamos o Farol de Taipu. Quando visitei Barra Grande há 3 anos atrás, já estava construindo o Entusiasmo, e coloquei na minha cabeça que queria chegar até aqui! E Agora me aproximava de uma grande realização pessoal. Muito trabalho, dedicação e planejamento para chegar a esse ponto!

Construir o próprio barco, navegar 1.300 milhas náuticas até aqui, desde Itajaí e conseguir conciliar a minha pausa profissional para me tornar um navegador e ter mais experiência no mar. Motivações e desafios que nutriam meu dia a dia de trabalho na oficina.

As 15:00 do dia 18 de Janeiro de 2025, eu, Douglas e o valente Entusiasmo adentramos na Baia de Camamu, um dia lindo de Sábado nos recebeu. Ancoramos no campinho. Sensação de realização e de certeza que tomei um rumo certo para minha vida nesse momento. Já são mais de 2.000 milhas entre testes e a jornada desde Itajaí. Me sinto mais confiante e cada vez mais experiente. Essas travessias costeiras realmente me fisgaram!

Agora tempo de manutenções preventivas e alguns ajustes para explorar a linda e histórica Baia de Camamú, por aqui passarei um bom tempo, até que os ventos me levem de volta ao meu porto de origem.

Hoje me sinto muito feliz e agradecido por toda proteção que tive desde minha saída, reverencio meus antepassados e meu anjo da guarda que me assiste em todos os momentos.”

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Andaman e Nicobar – Um paraíso indiano escondido no meio do mar.